Em casa após três comas, Chico Anysio diz: "Não penso no futuro"
10/05/2011 10:50Não fosse pela presença de um aparelho de oxigênio portátil, nada destoaria na ampla sala do apartamento onde o humorista Chico Anysio, 80 anos, vive com a mulher, Malga Di Paula, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Deitado no sofá, Chico, que já foi comentarista esportivo e é fã de esportes, assiste na TV a prova dos 50 metros livres do terceiro dia de competição de natação pelo Troféu Maria Lenk. Faz um gesto com a mão pedindo um segundo antes de começar a entrevista, apenas o tempo necessário para conferir a vitória de César Cielo.
Ao fim da disputa, senta no sofá com a ajuda de dois auxiliares de enfermagem que o acompanham na rotina diária desde a alta no Hospital Samaritano, no dia 21 de março, onde permaneceu 110 dias internado. O longo período no hospital começou logo após um exame para checar se havia alguma alteração cardíaca. Chico passou mal e, a partir daí, vivenciou o que define como “um pesadelo”. Ele esteve em coma três vezes após uma série de complicações em seu quadro de saúde - dentre elas uma pneumonia e a retirada de uma parte do intestino grosso em decorrência de uma hemorragia digestiva.
Durante sua luta pela vida, Chico teve em Malga sua principal aliada. Ela nunca deixou de acreditar em sua recuperação. “Sempre tive certeza que ia levá-lo para casa. Em nenhum momento desanimei. Claro, às vezes, passava a noite inteira chorando de pena do sofrimento dele, mas nunca desisti. Mesmo quando as pessoas diziam que talvez ele não fosse passar daquela noite”, afirma Malga.
Vestindo calça esportiva, camisa social e calçando pantufas, Chico coloca os óculos e retira a cânula nasal dispensando o auxílio do aparelho para falar. O humorista contou ao iG sobre os momentos mais difíceis desde a internação, disse que está pronto para trabalhar e falou sobre a alegria de estar de volta em casa. “Tinha certeza que ia sair e voltar para casa”.

Chico Anysio ficou 110 dias internado
iG: Nesses 110 dias em que esteve internado você recebeu muitas demonstrações de carinho de amigos e fãs. O que mais te emocionou?
Chico Anysio: Não existe uma emoção maior. Tudo me emocionou. Foi carinho demais. Muito lindo.
iG: Sendo uma pessoa tão ativa foi muito difícil de repente se ver com as capacidades mais limitadas?
Chico Anysio: Ah foi. Isso é ruim, é desagradável, é chato. Acordar e não ter o que fazer é horrível. Muito ruim. Mas nada pode ser feito. Isso faz parte da vida.
iG: O que já consegue fazer com mais tranquilidade?
Chico Anysio: Eu estou voltando a andar. Fiquei muito tempo na cama, né? É só o que me falta. Não ficou nada de sequela. Só, lógico, que quem fica 110 dias na cama desaprende a andar.
iG: Com 80 anos ter passado por tudo isso e saído do hospital demonstra que você tem uma saúde de ferro. A que atribui isso?
Chico Anysio: Não atribuo a nada em especial.Eu sou guerreiro. Deve ser isso.
iG: Teve algum momento que se revoltou ou teve raiva por estar passando por tudo aquilo?
Chico Anysio: Me revoltar, não. Em nenhum momento.

Chico Anysio: ¿Não penso no futuro¿
iG: Em algum momento pensou em desistir?
Chico Anysio: Não, nunca. Tinha certeza que ia sair e voltar para casa.
iG: O que fazia para passar o tempo no hospital?
Chico Anysio: Nada. Não tinha nada para fazer.
iG: Mas não podia ver TV?
Chico Anysio: Podia, mas eu não queria. Por falta de vontade.
iG: Quando saiu, qual foi a sua maior alegria?
Chico Anysio: Chegar em casa.
iG: Qual a primeira coisa que fez?
Chico Anysio: Tomar um copo d´água.
iG: É verdade que o senhor não podia beber água no hospital?
Chico Anysio: Durante 55 dias. É uma coisa de louco. Quando sentia sede me davam gotas de água, me molhavam a boca. Foi difícil. Foi o mais difícil de tudo.
iG: Tem alguma fé?
Chico Anysio: Tenho alí (aponta para um quadro com a imagem de São Francisco de Assis pintado por Armando Romanelli). Pedi à ele (pela recuperação), sempre. Orar não digo porque não faz parte dos meus hábitos, mas pedir ajuda à ele de vez em quando eu peço.
iG: Como foi receber a notícia da morte de sua irmã, Lupe Gigliotti (a atriz faleceu em decorrência de um câncer no pulmão em 19 de dezembro de 2010)?
Chico Anysio: Foi difícil receber a notícia, mas já vinha esperando por isso. Estava com uma doença difícil de se livrar. Não foi uma surpresa, mas foi chato ter acontecido. É horrível. Por mais preparado que a gente esteja.

Detalhes do apartamento de Chico: uma foto do casamento com Malga e uma da mulher pequena
iG: Por falar em família, já assistiu aos programas do seu filho, Bruno Mazzeo, alguma vez?
Chico Anysio: Assisti o “Cilada” e o “Tudo Junto e Misturado”. Gostei. Me falam que ele é um dos grandes humoristas de hoje.
iG: É um orgulho?
Chico Anysio: Orgulho? Por que? Teria orgulho se ele fosse o cara que descobriu onde estava o Osama Bin Laden. Orgulho é uma situação muito privilegiada para eu gastar com uma atuação do Bruno numa comédia na televisão. Eu tenho orgulho dele ser honesto, decente, direito, um rapaz esforçado. Disso eu tenho orgulho. No mais não.
iG: O humor do improviso está fazendo muito sucesso atualmente. Por que acha que isso está acontecendo?
Chico Anysio: Sou contra o improviso. Acho que é o caminho mais rápido para o erro. Nunca improvisei na minha vida. Faço tudo pensado, tudo ensaiado, tudo decorado, tudo preparado. Não gosto de improviso. Os de hoje não sei porque não tenho visto. Eu valorizo o autor.
iG: Como foi voltar ao trabalho gravando como a personagem Salomé?
Chico Anysio: Foi o Maurício Sherman (diretor do “Zorra Total”) que escolheu. Foi ótimo gravar como sempre foi. Não foi igual aos velhos tempos porque eram vários personagens. Gravava às vezes até onze no mesmo dia.